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Quem se interessar pelos estudos críticos da obra de Arthur Bispo do Rosário produzidos após sua morte, em 1989, vai verificar que neles se repetem expressões como assemblage de materiais, agregação de resíduos, coleção de peças, ordenação de objetos, acumulação de cacos, obsessão de reunir detritos,etc...
São expressões que definem atitudes características do universo próprio da realização do mosaico e não diferem em nada dos textos de apreciação crítica que comparecem nos estudos sobre a compulsão de artistas solitários, geralmente pobres, como o salineiro Gabriel dos Santos, construtor da Casa da Flor, em São Pedro da Aldeia, que passaram a vida coletando peças inúteis encontradas à sua volta e dando-lhes novo significado. Tiveram também seu reconhecimento após a morte, comparados algumas vezes com artistas do mosaico, cuja atividade envolve atitudes paralelas, como a procura de pedaços ou partes inúteis da matéria, qualquer que ela seja (vidro, cerâmica, azulejo, mármore, granito ou qualquer outro material sólido) para dar-lhes um terceiro signific
ado, resultante do ordenamento dos pedaços.
A questão do colecionismo como obra de arte e a compulsão neste sentido tornaram-se hoje objeto de estudos teóricos sobre esse fenômeno que tem em Arthur Bispo do Rosário uma figura emblemática pelos impulsos interiores que o levaram a colecionar as poucas e pobres peças a seu redor, dando-lhes um outro significado plástico, reconhecido e glorificado nas tendências atuais da arte contemporânea.
Dentre os objetos mais vistosos produzidos por Arthur Bispo do Rosário e que mais atraem a atenção dos críticos, encontra-se o chamado “Manto da Apresentação”, uma indumentária que executou durante boa parte de sua vida de interno e com a qual pretendia vestir-se na hora de apresentar-se a Deus. Também aí, há elementos mais do que suficientes para análise do procedimento arquetípico, que é a idéia de vestir os mortos com sua melhor roupa, uma mortalha de luxo, uma espécie de “agasalho para a travessia”. Infelizmente, não pôde vesti-lo na hora da travessia. A peça tornou-se obra referencial para as artes plásticas brasileiras e foi tombada pelo serviço de patrimônio estadual, juntamente com as demais peças de Jacarepaguá. Muitas delas saíram de lá nos anos 90 para uma tournée promovida pelo Centro Cultural do Banco do Brasil, que mereceu muitas análises e comentários de críticos e curadores, alguns deles traçando paralelismos inquietantes entre as obras de Bispo e as de Marcel Duchamp, realizadas algumas décadas antes.
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